Entre as espécies nativas do Bioma Cerrado, mais de 50 apresentam frutos de grande aceitação pela população local (Almeida et al., 1998), sendo, exclusivamente, obtidos de extrativismo. A Acrocomia aculeata (Jacq.) Lodd é uma palmeira nativa do Mato Grosso do Sul (HIANE et al., 2006), encontrada em quase todo o Brasil (do Pará até São Paulo e Mato Grosso do Sul), ocorrendo também na Bolívia, Paraguai e Argentina. No Brasil, a Acrocomia aculeata é também conhecida por ‘bocaiúva’, ‘macaúba’, ‘coco catarro’, ‘macabira’, ‘mocajuba’ e ‘macaiba’. Os frutos (polpa e amêndoa) são muito apreciados tanto pelo homem como pela fauna doméstica e silvestre (Lorenzi et al., 2006; Pott et al., 2009). A polpa pode ser consumida in natura (chiclete pantaneiro) ou processada na forma de sorvetes, bolos e pães (Selis e Juracy, 2007). A Bocaiúva possui substâncias bioativas, “ditas funcionais”, como antioxidantes, Fibras e minerais imunomodularodes (como o Zinco). Além disso, sabe-se que Fibras e compostos antioxidantes têm ação antiinflamatória (Bressan et al, 2009). Associado a este contexto e tendo em vista a grande aceitação do bocaiúva entre a população do cerrado, como também o fato de que a inflamação é um dos principais fatores relacionados à fisiopatologia de Doenças Cardiovasculares (Azizi et al. 2003), bem como do Diabetes Mellitus, obesidade, dentre outras (Geraldo e Alfenas, 2008) tornam-se indispensáveis investigações que contribuam para o desenvolvimento de novas substancias que possam atuar no tratamento dessas doenças. Assim esse trabalho objetivou estudar a ação antiinflamatória dos extratos seco e fresco da Bocaiúva por meio de modelos experimentais de inflamação aguda e crônica em camundongos.
MATERIAIS E MÉTODOS
COLETA DE FRUTOS E OBTENÇÃO DE EXTRATOS
As amostras de frutos de bocaiúva foram coletadas em uma fazenda situada no município de Dourados e transferidas aos laboratórios do curso de Engenharia de Alimentos da Faculdade de Ciências Exatas e Tecnologia da Universidade Federal da Grande Dourados (FACET-UFGD). O material (polpa e farinha) foi triturado e homogeneizado em liquidificador com solvente etanólico na proporção de 2g de material para 10 ml de solvente, conforme método descrito por Porto (2008) até se obter o extrato hidroetanólico da fruta. O extrato proveniente da polpa foi chamado de “Fresco”, enquanto o extrato da farinha foi chamado de “Seco”.
ANIMAIS
Para a realização dos experimentos foram utilizados camundongos suíços machos (25-35 g) adquiridos junto ao biotério central da Universidade Federal de Mato-grosso-do-sul (UFMS) e mantidos no Biotério Setorial da Faculdade de Ciências da saúde (FCS) da Universidade Federal da Grande Dourados em temperatura (22 ± 2 °C), ciclo claro/escuro de 12 horas e com livre acesso a água e ração. Os animais foram retirados do biotério e mantidos no laboratório para adaptação por um período de pelo menos 1 h antes do início dos experimentos, sendo utilizados somente uma vez em cada teste. Os experimentos foram conduzidos de acordo com as orientações para os cuidados com animais de laboratório e considerações éticas com os protocolos experimentais foram enviados para o Comitê de Ética e Experimentação Animal da Universidade da Grande Dourados (UNIGRAN).
EDEMA INDUZIDO PELA CARRAGENINA
Grupos distintos de camundongos foram tratados por via oral com o Extrato fresco (300 mg/kg), extrato seco (100, 300 ou 500 mg/kg) ou com veículo. Após uma hora, os animais receberam na pata direita 50 μ l de PBS contendo Carragenina (300 μg) A pata esquerda recebeu o mesmo volume de PBS e foi utilizada como controle. O aumento de volume da pata foi medido com o auxílio de um micrômetro (Kassuya et al., 2009).
EDEMA INDUZIDO PELO ADJUVANTE COMPLETO DE FREUND (CFA)
Grupos distintos de camundongos foram tratados diariamente por 6 dias (2 vezes ao dia) por via oral com o Extrato seco (300 mg/kg) ou com veículo. No primeiro dia, foi realizado a administração o extrato via oral, e após uma hora os animais receberam na pata direita 20 μl do CFA. A pata esquerda recebeu o mesmo volume de PBS e foi utilizada como controle. O aumento de volume da pata foi medido com o auxílio de um micrômetro (KASSUYA ET AL., 2009). Do sétimo ao nono dia o tratamento como extrato foi interrompido e depois reiniciado no décimo dia.
ANALISES ESTATÍSTICAS
Os dado foram apresentadas como media mean ± E.P.MM. Diferenças entre os grupos foram avaliadas pela analise de variância (ANOVA de uma via) seguida do teste de Newman-Keuls. O Número de animais por grupo estão indicados nas legendas. As diferenças estatísticas foram consideradas ser significativas em P<0.05.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A carragenina induziu um aumento do edema durante 30 a 240 minutos após a injeção intraplantar. Observou-se um maior efeito antiedematogênico com o extrato seco (feito a partir da farinha da Bocaiúva) em relação ao extrato fresco (feito a partir da polpa não processada da bocaiúva) (Figura 1A, 1B e 2C). A inibição máxima foi de 54 ± 10 % para o extrato seco. Como extrato seco causou inibição significativa foram testados 3 doses diferentes, a dose de 100, 300 e 500 mg/kg por via oral. O tratamento com o extrato seco apresentou inibição significativa dose-dependente quando analisado no tempo de 2 hs após a administração da carragenina. A administração da dose de 500 mg/kg induziu uma redução de 45 ± 14 % .
No presente estudo, o efeito antiinflamatório foi mensurado observando-se o efeito do extrato da Bocaiúva na fase vascular da inflamação, isto é, na fase em que citocinas e radicais livres (como o Óxido Nítrico) aumentam a permeabilidade dos vasos (através de ação vasodilatadora), provocando o edema.
Portanto, a diminuição do edema nos experimentos sugere um efeito antiinflamatório do extrato hidroetanólico da Bocaiúva, sendo que tal efeito foi mais intenso quando administrado o extrato feito a partir da farinha da fruta. Uma possível causa de o efeito ter sido mais intenso com o extrato Seco é o fato de que, para se obter a farinha, a fruta passa por um processamento e por desidratação. Essa perda de água acaba deixando os compostos bioativos mais concentrados em relação à fruta que não passou por esse processo (Hiane et al., 1989).
No experimento em que foram testadas diferentes doses do extrato Seco, apenas a doses a partir de 300mg/kg apresentaram inibição estatisticamente significante (p<0,05) na redução do edema. É possível que a dose de 300 mg/kg tenha sido a única efetiva devido ao alto teor de compostos bioativos presentes. Atualmente é descrito na literatura que compostos antioxidantes interferem no processo inflamatório.
Segundo Moreira e Mancini-Filho (2004), estudos observacionais indicam que a ingestão total de antioxidantes ou a ingestão das vitaminas do complexo B, C e E e do Selênio associa-se a menores concentrações de PCR (proteína C reativa), um potente marcador sérico do processo inflamatório. Para os autores, a ingestão de antioxidantes parece ter um efeito adicional benéfico sobre o estresse oxidativo, o estado inflamatório e a função endotelial.
Como descreve Ramos et al. (2008), a Bocaiúva é rica em fibras, Carotenóides (principalmente β-Caroteno) e minerais importantes, como Potássio e Zinco. Bressan et al. (2009) cita um estudo de intervenção clínica o qual se comparou uma dieta controle com outra enriquecida com Fibras e β-Caroteno, e poderá promover a diminuição de citocinas próinflamatórias, esses dados reforça a idéia de que os componentes bioativos da Bocaiúva (como Carotenóides, Zinco e Fibras) são capazes de diminuir a resposta inflamatória.
No experimento, no qual se usou o modelo de injeção do CFA, observou-se novamente a inibição do edema da pata dos animais tratados diariamente com o extrato Seco da Acrocomia aculeata (Boaiúva). O o edema no grupo tratado com o extrato, no primeiro dia, permaneceu abaixo de 0,55 μm (p<0,05), enquanto o grupo controle, que recebeu o veículo, apresentou valores maiores de edema (acima de 0,55 μm).
No segundo dia após injeção do CFA, a diferença entre tratados e controles foi ainda mais significativa: o grupo controle ultrapassou a medida de 1,65 μ m (p<0,05), enquanto o grupo que recebeu o extrato apresentou valores de edema inferiores a 1,1 μm (p<0,05). Tal diferença manteve-se até o sexto dia após a injeção do CFA.
O CFA simula um modelo de inflamação crônica, semelhante ao que ocorre em várias doenças crônicas de cunho inflamatório, tais como artrite, aterosclerose, diabetes, doenças do sistema imune, dentre outras. O que essas doenças tem em comum é o fato de estarem intimamente relacionadas ao estresse oxidativo causado pelo excesso de radicais livres no organismo (Biachi e Antunes, 1999. Esses podem agir sobre alguns componentes celulares e participar ativamente na gênese e manutenção de processos inflamatórios crônicos (Soares, 2002). Estudos clínicos e epidemiológicos têm mostrado evidências de que antioxidantes fenólicos de cereais, frutas e vegetais são os principais fatores que contribuem para a significativa redução da incidência de doenças crônicas e degenerativas encontradas em populações cujas dietas são altas na ingestão desses alimentos. Os frutos do Cerrado, como a Bocaiúva, são particularmente abundantes em antioxidantes fenólicos (Roesler et al, 2007).
Tendo em vista os resultados do presente estudo, além do conhecimento acerca da influência da dieta no processo inflamatório, bem como do leque de doenças em que a inflamação crônica resulta, espera-se que os resultados aqui demonstrados continuem a ser investigados no sentido de estimular o consumo de alimentos ricos em fibras, antioxidantes, vitaminas e minerais pela população. Uma dieta saudável é o caminho mais eficiente rumo ao controle de doenças inflamatórias crônicas, que estão entre as doenças que mais matam e que mais oneram os sistemas de saúde dos países ocidentais.
CONCLUSÃO
Os resultados sugerem que o extrato seco de A aculeata apresenta atividade antiinflamatória e provavelmente exibe compostos responsáveis por esta ação. Mais estudos são necessários para investigar o mecanismo de ação e indicar os compostos com atividade antiinflamatória.
Fonte: ongtremmacaubeiros
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